O jornalista não era investigado e nem foi indiciado pela Polícia Federal, mas foi denunciado pelo MPF
Nesta terça-feira (21), o Ministério Público Federal denunciou o jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil, sob acusação de associação criminosa, interceptação de comunicações e invasão de dispositivo informático.
Glenn não era investigado nem foi indiciado pela Polícia Federal, que não encontrou evidências de que ele tivesse cometido crimes. O MPF, contudo, afirma que o jornalista orientou o grupo acusado de hackear autoridades e capturar conversas de procuradores da Lava Jato e do ex-juiz Sergio Moro no aplicativo Telegram.
Outras seis pessoas também foram alvo de denúncia da Procuradoria.
As conversas foram obtidas pelo Intercept e originaram reportagens sobre a relação da força-tarefa com o então magistrado, publicadas também por outros veículos.
Glenn nega qualquer envolvimento com atividades criminosas e vê na atuação do procurador Wellington Oliveira uma tentativa de ameaçar o jornalismo e cercear a liberdade de imprensa. A denúncia também foi criticada por entidades como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Qual a acusação contra Glenn Greenwald?
Glenn foi denunciado sob acusação de associação criminosa, interceptação de comunicações e invasão de dispositivo informático. A denúncia está relacionada às mensagens no aplicativo Telegram que sugerem a colaboração entre procuradores da força-tarefa da Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro. O pacote de mensagens, obtido pelo The Intercept Brasil, fundado por Glenn, embasou reportagens do site e, posteriormente, de outros veículos.
Glenn já era investigado?
O jornalista não foi investigado nem indiciado pela Polícia Federal. Liminar do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes determinava que autoridades se abstivessem de praticar atos que visassem responsabilizar Glenn pela “recepção, obtenção ou transmissão de informações publicadas em veículos de mídia, ante a proteção do sigilo constitucional da fonte jornalística”.
Para o MPF, a denúncia não desrespeita a decisão porque o jornalista não foi investigado.
Qual a interpretação do MPF?
Segundo o procurador Wellington Oliveira, um diálogo demonstra que Glenn auxiliou, incentivou e orientou o grupo que invadiu as contas de Telegram na prática de crimes.
O que foi dito nessa conversa?
Resumidamente, no diálogo em questão, Luiz Molição, suposto porta-voz do grupo acusado, pergunta se deveria guardar ou apagar os arquivos das conversas hackeadas. Glenn, por sua vez, diz que não pode dar conselhos e afirma: “nós já salvamos todos [os arquivos], nós já recebemos todos. Eu acho que não tem nenhum propósito, nenhum motivo para vocês manter nada, entendeu?”
O jornalista também diz que tem a obrigação ética de proteger suas fontes e que a escolha sobre apagar as mensagens cabe ao grupo, ressaltando que isso não prejudicaria o trabalho de produção das reportagens.
A denúncia diz que Glenn “não responde, de maneira direta, à questão levantada por Molição”, mas afirma que o fundador do Intercept buscou “subverter a ideia de proteção a fonte jornalística em uma imunidade para orientação de criminosos”.
O que diz a PF?
Relatório da Polícia Federal afirmou que não havia evidência de participação de Glenn na ação dos hackers. O documento também traz o diálogo usado pelo MPF como base da denúncia, mas o delegado Luiz Flávio Zampronha chegou a conclusão oposta à do procurador Oliveira.
Quem é o procurador Wellington Oliveira?
Membro do MPF desde março de 2004, Oliveira serviu ao Exército por 13 anos. Em dezembro, denunciou o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, sob acusação de calúnia contra Moro. Santa Cruz disse que o ministro bancou o “chefe da quadrilha” ao avisar autoridades que teriam sido alvo de hackers. A Justiça rejeitou a denúncia na semana passada.
Ele também é autor de duas ações contra Lula. Uma, por improbidade administrativa, foi rejeitada pela Justiça. A outra, sobre suposta apropriação indevida de um crucifixo pelo ex-presidente, segue em andamento. Oliveira deixou o caso após a Justiça negar seu pedido de arquivamento do processo.
Como o Intercept obteve as mensagens?
Quando as primeiras reportagens foram publicadas, em junho de 2019, o site informou que obteve o material de uma fonte anônima, que havia procurado a reportagem cerca de um mês antes.
O que diz a Constituição sobre sigilo da fonte?
O artigo 5º diz que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.
Quem mais foi denunciado? Sob qual acusação?
Fora Glenn, outras seis pessoas foram alvo da denúncia, algumas por crimes ligados a fraudes na internet:
- Walter Delgatti Netto e Thiago Eliezer Martins Santos, segundo a acusação, atuavam como líderes do grupo;
- Danilo Cristiano Marques era o suposto “testa de ferro” de Delgatti;
- Gustavo Henrique Elias Santos teria desenvolvido técnicas que permitiram a invasão do Telegram;
- Suelen Oliveira, mulher de Gustavo, foi acusada de agir como laranja e participar em fraudes;
- Luiz Molição, teria sido porta-voz do grupo nas conversas com Glenn.O que acontece agora?
A Justiça analisa se recebe a denúncia. Se isso acontecer, os acusados viram réus.
O que revelam as mensagens obtidas pelo Intercept?
Os diálogos indicam que houve colaboração entre o então juiz Sergio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol quando ambos integravam a força-tarefa da Operação Lava Jato..
Nas conversas, Moro sugere, por exemplo, que Deltan procure uma fonte que pode auxiliar a Procuradoria no processo contra Lula, opina sobre a deflagração de operações e interfere em estratégias da força-tarefa na construção das denúncias contra investigados. O procurador, por sua vez, extrapolou sua competência e incentivou colegas em Brasília e Curitiba a investigar o ministro Dias Toffoli, do Supremo.
O que diz a lei sobre o papel do juiz? E do Ministério Público?
É papel do juiz se manter imparcial diante da acusação e da defesa. Juízes que estão de alguma forma comprometidos com uma das partes devem se considerar suspeitos e, portanto, impedidos de julgar a ação. Quanto ao Ministério Público, a Constituição afirma que são princípios institucionais “a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”.
O que dizem Moro e Deltan?
O ministro da Justiça afirmou que não viu nada “de mais” nas mensagens e que não houve nenhuma orientação ao Ministério Público. Na segunda (20), em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, chamou as conversas de “bobageiradas”. Deltan e a força-tarefa da Lava Jato, assim como Moro, afirmam que não reconhecem as mensagens que lhes são atribuídas e que não houve irregularidades na condução da operação.
Houve investigações sobre o caso?
A Polícia Federal investigou o vazamento das mensagens e o ataque às contas do Telegram dos procuradores e demais autoridades. É a isso que se refere a denúncia do MPF apresentada nesta terça-feira.
As mensagens não passaram por perícia e não foi anunciada nenhuma investigação oficial sobre o teor das conversas, ou seja, que apure se houve eventual comportamento inadequado da Procuradoria ou de Moro.
Pode haver consequências para Moro?
Diretamente, não. Como deixou a magistratura para assumir o Ministério da Justiça de Jair Bolsonaro, Moro não será alvo de sanções do Conselho Nacional de Justiça. Contudo o STF analisa pedido da defesa do ex-presidente Lula para que anule o julgamento em que Moro condenou o petista. O argumento dos advogados é que Moro agiu de forma parcial na condução do caso, e há uma tentativa de usar as mensagens como prova.
Os diálogos estão em poder dos ministros do STF, mas há entraves para que sejam aceitos como evidência, já que foram obtidos de maneira ilícita. Em despacho no fim de 2019, a Procuradoria-Geral da República afirmou que as conversas não podem ser consideradas em razão de sua origem e que, de toda a forma, não indicam irregularidades.
E quanto a Deltan?
O procurador é alvo de representações no Conselho Nacional do Ministério Público, ainda sem desfecho.
Com informações da Folhapress e foto da Getty images
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