POR MILTON ATANAZIO
Bolsonaro chega aos cem dias de governo nesta quarta-feira (10) dividido entre uma agenda propositiva no Congresso e uma sucessão de fatos negativos. Os primeiros meses tem sido marcado por erros, divisões e trapalhadas, que destroem sua popularidade e põem suas reformas em dúvidas. Alguns equívocos certamente poderiam ter sido evitados.
O presidente é refém da disputa entre grupos militares, ideólogos conservadores e os filhos. Todos competindo para ter maior influência política. Bolsonaro, com tantas crises enfrentadas, atua mais como um bombeiro para apagar o fogo, do que como um estrategista.
Tem a pior avaliação após os 3 meses do 1º mandato desde 1990: Collor tinha 19% de reprovação no mesmo período, contra 16% de FHC, 10% de Lula e 7% de Dilma – 32% aprovam e 30% desaprovam o governo Bolsonaro, diz o Instituto Datafolha na divulgação de sua última pesquisa.
Início de governo tumultuado não é exclusividade de Bolsonaro. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje preso, enfrentou na largada uma crise provocada por colegas de partido que não aceitavam a reforma da Previdência. Lula enviou o texto ao Congresso 120 dias depois de assumir o cargo, gerando muitos protestos no PT e a expulsão de quadros históricos, como a ex-senadora Heloísa Helena e a ex-deputada Luciana Genro.
Fernando Collor apresentou o “Plano Collor” um dia depois da posse, confiscou a poupança e depósitos nos bancos. Fernando Henrique Cardoso também enfrentou conflitos na sua base aliada nos primeiros cem dias. A ex-presidente Dilma Rousseff escapou das crises nos primeiros cem dias do seu primeiro mandato. Em compensação, sete ministros caíram no primeiro ano, na chamada “faxina”.
No Legislativo, Bolsonaro não conseguiu formar até agora uma base de sustentação para aprovar os projetos de interesse de sua gestão. Enviou para o Congresso uma reforma da Previdência e um pacote de medidas de combate à criminalidade. Promoveu a flexibilização das regras para a posse de armas e destravou os leilões de portos e aeroportos. Os três últimos foram promessas de campanha. A agenda propositiva, contudo, se contrapõe a uma sucessão de crises. Seu plano para a reforma do insustentável regime previdenciário está travado após uma disputa com aliados políticos chave, com nome e sobrenome – Rodrigo Maia. Essa última, parece superada.
Logo na largada, ele comprou uma briga com o Congresso ao carimbar seus antigos colegas na Câmara como representantes da “velha política”, associando o termo à corrupção e ao toma lá, dá cá. Nos últimos dias, o presidente vem dando a impressão de adotar um tom mais conciliador, mantendo reuniões com líderes de vários partidos.
Nem toda negociação, porém, é ilegal. Todo governo – não apenas no Brasil – tem a seu alcance mecanismos legítimos de convencimento dos parlamentares, previstos na legislação e usados de acordo com a conveniência. É essa a essência do presidencialismo de coalizão praticado aqui desde a redemocratização.
O desvirtuamento dessas práticas, que descambaram em corrupção (sobretudo nos governos petistas) e espoliação do Estado para benefício de grupos privados, não implica necessariamente que toda negociação política seja espúria. Vamos aguardar os resultados.
O ministro da Economia, Paulo Guedes está tendo de se defender praticamente sozinho na CCJ. Na última quarta-feira, foi um exemplo acabado da falta de estratégia parlamentar do Planalto. É bom lembrar que o ministro é o principal fiador do governo junto ao mercado e aos empresários. A mudança nas regras de aposentadoria e o pacote anticrime precisam de um plano eficiente de articulação política, caso contrário devem atrasar, atrapalhando o governo.
Agindo muitas vezes por impulso, o estilo do presidente preocupa até mesmo o núcleo militar do governo. O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que as crises em torno da articulação política estavam precificadas. “O governo sabia que ia encontrar dificuldades por ter montado um esquema diferente de lidar com o Congresso. Decidimos assumir o risco, que era um risco controlado. Os cargos já estão à disposição, só que precisam de pessoas técnicas”, disse.
Uma série de erros e dificuldades, destroem ainda mais a credibilidade de Bolsonaro e exibe a inexperiência de seu governo.
A promessa de campanha, de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, até o momento adiada, também pode provocar represálias comerciais dos Estados árabes, alguns dos quais são importantes importadores de carne brasileira. O Brasil conquistou ao longo de anos um mercado poderoso de exportação de carne bovina e de frango para esses países – um negócio maior que US$ 3 bilhões por ano.
Não poderia ter sido pior a solução “salomônica “ de criar um Escritório Comercial em Jerusalém. Foi uma inovação infeliz que saiu do bolso do colete diplomático do embaixador Ernesto Araujo. Como podemos observar, a solução salomônica não foi uma boa. Continua com o abacaxi para descascar e o nó para desatar. Não agrada a Israel nem a Palestina, e ainda de quebra desagrada a Ruralistas e Militares. Foi mal. O desgaste poderia ter sido evitado.
E uma série de escândalos, inclusive sobre denúncias de transações financeiras consideradas atípicas envolvendo um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro, arranharam sua imagem de “paladino anticorrupção”.
A decisão do governo de defender que não houve golpe em 1964 foi outro equívoco. Gerou desgastes desnecessários e uma série de manifestações pelo país. A ordem para celebrar o golpe foi inédita nos últimos 20 anos. Enquanto a corrosão acontecia nas cidades, nos quartéis mesmo, não houve nada de grandioso. Os militares preferiram a leitura da ordem do dia que aconteceu ainda na semana passada. Alguns chegaram a comentar que não ficaram confortáveis com esse movimento que levou o país a reviver o clima de divisão. Foi nula a comoção pela comemoração.
Bolsonaro agora decidiu trocar o comando da Secretaria de Comunicação (Secom) e vai investir em uma campanha publicitária para a reforma da Previdência nas mídias tradicionais, com as quais se indispôs nos últimos tempos. Além disso, ele anunciou a criação de um Conselho Político, formado por representantes de partidos, com a missão de segurar crises. É uma inovação nos métodos.
O Planalto prepara uma cerimônia de comemoração dos cem dias de governo, que deve ser na quarta-feira (10). Muitas metas divulgadas pela Casa Civil como prioritárias para esse período, no entanto, não saíram do papel até hoje, como o programa “Alfabetização Acima de Tudo”. Mesmo assim, todos os ministros foram convocados para bater o bumbo sobre a agenda desse início de gestão. O titular da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, foi exonerado hoje(08) e em seu lugar assume Abraham Weintraub, que vem do mercado financeiro e estava na Casa Civil. Trabalhou na equipe de transição.
Esta foi a segunda baixa no governo. O primeiro ministro a cair foi Gustavo Bebianno, da Secretaria Geral da Presidência, atropelado por denúncias de candidaturas laranjas no PSL.
Como nem tudo é pedra, o resultado dos leilões de infraestrutura, com ágios e outorgas robustas, é um dos pontos altos do governo Bolsonaro. Os críticos dizem que tal tento é herança de outros governos, sobretudo, do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) criado por Michel Temer.
Segundo o cientista político David Fleischer da Universidade de Brasília sobre Bolsonaro – “Fez muitas coisas bobas”, avaliou. “Não tem assessores suficientes ao seu lado que lhe digam: ‘Bom, é melhor que você não faça isso”, assegurou.
Concluímos que são 100 dias de boas intenções, mas o que vale são as realizações. De boas intenções o povo está cheio há muito tempo.
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