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Pessoas na órbita do presidente são suspeitas de participação num esquema de produção em massa de fake news e ataques nas redes sociais contra ministros do STF.
Parlamentares aliados de Bolsonaro também foram chamados a dar explicações.
Foi mais uma semana de turbulência e atrito em Brasília. O Supremo Tribunal Federal fechou o cerco contra influenciadores digitais e empresários apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Eles são suspeitos de participação num esquema de produção em massa de fake news e ataques nas redes sociais contra ministros do STF. Parlamentares aliados de Bolsonaro também foram chamados a dar explicações.
Quem são essas pessoas na órbita do presidente e que estão sendo investigadas por supostamente espalhar ódio, ameaças e mentiras na internet?
nosso primeiro passo é entender que existem limites, limites claros. Uma coisa é opinião. “Todos têm direito de manifestar a sua opinião, de fazer críticas, de fazer, inclusive, críticas contundentes”, diz Thiago Bottino, professor de Direito Penal da FGV e Unirio.
Mas a partir de qual momento a opinião e a liberdade de expressão cruzam a fronteira para o crime? “Quando você acusa alguém de um crime falsamente, quando você ofende a honra dessa pessoa – seja imputando um fato desabonador, seja xingando essa pessoa -, ali você está afetando a honra de uma pessoa e ali já é um crime”, explica o professor.
Nesta semana, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou buscas e apreensões em endereços de blogueiros e empresários, depois que uma investigação encontrou sérios indícios da prática de crimes.
O STF investiga como funciona uma rede de ataques virtuais e de produção de fake news e de ameaças contra membros da Corte. O inquérito diz que “as provas colhidas e os laudos periciais apontam para a real possibilidade de existência de uma associação criminosa”.
Não foi preciso ir até muito longe: bastou atravessar a Praça dos Três Poderes. Entre os suspeitos, aliados do presidente da república Jair Bolsonaro. Alguns deles têm presença frequente no Palácio, como o blogueiro Allan Lopes dos Santos.
Em seu perfil pessoal no Instagram, ele exibe várias fotos com o presidente. Em 2018, um dia depois do segundo turno das eleições, ele escreveu: “O presidente eleito recebeu um zé ninguém só por ser um amigo”. São várias publicações ao longo do tempo, em que demonstra ter acesso fácil ao palácio e ao presidente, a quem chama de “amigo”.
Neste mês, Allan publicou uma foto em frente ao Supremo, mostrando o dedo do meio. Ele tem um site e também um canal no Youtube com mais de 900 mil inscritos, e o STF parecer ser um dos temas favoritos. Segundo pesquisadores da USP, a Corte foi mencionada em mais de 70% dos vídeos do canal nos últimos dois meses.
Em depoimento à CPMI das fake news, em novembro do ano passado, Allan disse que não recebia dinheiro do governo. Dados da Secretaria de Comunicação da Presidência mostram que no período de janeiro a setembro do ano passado, o governo veiculou quase 1.500 anúncios no site de Allan, mas o documento não revela valores.Neste domingo, uma reportagem do jornal “O Globo” mostrou que canais no Youtube que atacam o STF e pedem intervenção militar receberam verbas publicitárias de empresas estatais. Os dados, obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, revelam que, “ao todo, mais de 28 mil anúncios da Petrobras e da Eletrobras foram veiculados nesses canais entre janeiro de 2017 e julho de 2019, antes e durante o governo Bolsonaro”.
Uma outra base de dados, da Secretaria de Comunicação da Presidência, aponta que mais de 390 mil anúncios do governo federal tiveram como destino 11 sites e canais com o mesmo perfil entre junho e agosto do ano passado. Essa verba foi destinada para a campanha sobre a reforma da previdência.
Em resposta à reportagem, a Secom e as empresas estatais disseram que “não direcionaram as verbas para os veículos, embora seja possível impedir que um determinado canal receba publicidade”.
É que existe um tipo de propaganda na internet chamada de programática, que consegue direcionar os anúncios para os usuários que mais se encaixam naquele perfil de consumo. E, pra ter acesso a essa tecnologia, os anunciantes – como Petrobras e Eletrobras – contratam empresas intermediárias, que negociam com as plataformas.
“Esses sites que compartilham fake news são muito visitados e à medida em que a pessoa visita e cada anúncio é exibido, o site ganha um percentual daquele valor. Então, as empresas muitas vezes nem sabem que o seu anúncio está vinculado naquele site”, explica o advogado e especialista em tecnologia Ronaldo Lemos.
Neste mês, o Banco do Brasil anunciou que iria suspender os anúncios em um site acusado de fake news, mas voltou atrás depois que o filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro, saiu em defesa do site. O secretário de comunicação do Planalto, Fabio Wajgarten, sugeriu que atuaria pra que o banco voltasse atrás da decisão.
Diante disso, o Ministério Público alegou uma suposta interferência indevida na publicidade do Banco do Brasil e o Tribunal de Contas da União mandou o banco suspender contratos de publicidade com sites, blogs, portais e redes sociais até que a Controladoria Geral da União e a Casa Civil regulamentem o uso de verbas públicas nessas mídias.
A reportagem deste domingo do jornal “O Globo”, que mostra como o dinheiro de estatais têm irrigado canais do Youtube que atacam o STF, revela ainda que “entre os blogueiros que receberam verba publicitária da Petrobras e que são investigados pelo STF estão Allan dos Santos, Enzo Leonardo Suzi Momenti, e Bernardo Pires Kuster”. Esses três blogueiros e mais 13 pessoas foram alvo de buscas e apreensões no inquérito que apura ataques contra ministros do Supremo.
Uma delas é Sara Fernanda Giromini, conhecida como Sara Winter. No passado, ela participava de protestos feministas. Hoje, ela se diz ex-feminista. Também no passado, em 2014, ela foi às ruas protestar contra o então deputado Jair Bolsonaro. Agora, é apoiadora dele.
Neste mês, o Ministério Público do Distrito Federal moveu uma ação contra ela e outros integrantes de um acampamento instalado na Esplanada dos Ministérios. Os promotores chamam o grupo de “milícia armada”, e tentam na Justiça o fim do acampamento. Em entrevista à BBC Brasil, ela reconheceu a “existência de armas dentro” do grupo.
Sara já ocupou um cargo no governo federal, na Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. Foi nomeada em junho de 2019 e exonerada em outubro.
Sara, Allan e outros blogueiros são suspeitos de integrar um “complexo esquema de disseminação de notícias falsas por meio das redes sociais, atingindo um público diário de milhões de pessoas, expondo perigo de lesão a independência dos poderes e o estado de direito”.
A investigação conduzida pelo STF aponta ainda que toda essa estrutura estaria sendo financiada por um grupo de empresários, que “atuaria de maneira velada fornecendo recursos das mais variadas formas”. Na decisão, o ministro Alexandre de Moraes diz que “todos esses investigados teriam ligação direta ou indiretamente com o aludido gabinete do ódio”.O funcionamento desse suposto gabinete, onde seriam produzidos ataques sistemáticos, foi detalhado por parlamentares, que também prestaram depoimento na CPMI das fake news, no Congresso, como conta a relatora.
“Um gabinete de jovens contratados, muito próximos do gabinete do presidente da República. Essa investigação do Supremo tem muito a ver com essa linha investigativa que nós adotamos. Ela reforça que nós estávamos no caminho certo. Por isso, nós certamente ficaríamos muito felizes de poder ter acesso ao resultado dessas informações, dessas investigações”, afirma a deputada Lídice da Mata, relatora da CPMI das fake news.
Uma das descobertas da CPMI é que um perfil que fazia ataques virtuais numa rede social era acessado pelo gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente. “Tudo isto é resultante de uma prática nociva, criminosa, de passar mentira como se fosse verdade para o conjunto da sociedade. E, para isso, são usadas pessoas, perfis falsos e até robôs para fazer com que essa noticia chegue rapidamente a todo o território nacional”, destaca Lídice.
“Um alvo é escolhido. Combina-se um ataque e entram os robôs. Por isso que, em questões de minutos – 5, 10 minutos, às vezes – a gente tem uma informação espalhada pro Brasil inteiro”, contou Joice Hasselmann em depoimento.
Mas o que são esses robôs? “São aqueles que tentam enganar as redes sociais, como se eles fossem literalmente uma pessoa, um ser humano. Esses robôs, muitas vezes, eles atendem a uma pessoa só, ou a uma organização só. Então, essa organização muitas vezes controla 2 mil, 10 mil, 100 mil robôs. Ao fazer isso, dá a impressão de que tem um monte de gente falando sobre aquilo, mas na verdade é uma pessoa ou uma organização só, artificialmente passando a impressão de que tem uma multidão falando sobre o assunto”, conta Ronaldo Lemos.
Mas quanto custaria um sistema de robôs? A deputada Joice Hasselmann detalhou na CPMI: “Cada atuação de robô custa, em média, cada disparo, R$ 20 mil. Se a gente está falando desses robôs todos, quem paga por isso? De onde sai esse dinheiro?”
O inquérito que apura os ataques contra o Supremo Tribunal Federal também investiga quem bancaria uma estrutura de fake news. Os indícios apontam para Edgard Gomes Corona, Luciano Hang, Otavio Oscar Fakhoury, Reynaldo Bianchi Junior e Winston Rodrigues Lima.
Corona e Hang são empresários. Corona é dono da rede de academias Smart Fit e Hang é dono das lojas Havan. E não é a primeira vez que Luciano Hang tem problemas na Justiça com fake news. Em outro processo, o empresário foi condenado em primeira instância a indenizar o reitor da Unicamp por ter publicado uma informação falsa sobre ele.
No inquérito dos ataques ao Supremo, foi determinada a quebra dos sigilos bancários e fiscais de Luciano Hang e dos outros três investigados, desde a campanha eleitoral – de julho de 2018 a abril de 2020. Nos próximos dias, oito deputados ligados ao presidente serão ouvidos no inquérito.
“O inquérito, ele representa uma mudança de estratégia, né? Se você quiser combater fake news, você tem que ir atrás da raiz. A população em geral tem o direito de saber quem é que financia essas campanhas massivas, que, muitas vezes, falam para 50 milhões de pessoas no Brasil, e ao saber quem tá financiando isso, a população tem a capacidade de discernir o que ela deve levar em consideração ou não”, afirma Ronaldo.
“Quando você não tem nenhum tipo de responsabilização ou controle sobre disseminação de informações falsas, é quase como se você praticasse um crime contra a democracia, contra a possibilidade das pessoas formarem as suas convicções políticas de forma livre, porque elas tão sendo enganadas, estão sendo iludidas com uma notícia deliberadamente falsa”, conclui Bottino.
Sobre o processo movido pela Unicamp e pelo reitor Marcelo Knobel, a defesa do empresário Luciano Hang disse em nota que ele “apenas exerceu sua liberdade de expressão, e que recorrerá da decisão”. Em relação ao inquérito do STF, a defesa de Hang afirmou que o empresário “não realizou nenhuma publicação de fake news, tampouco financiou qualquer um dos investigados”.
A defesa do empresário Edgard Corona disse que ele está à disposição da Justiça para a investigação do STF.
A defesa de Winston Rodrigues Lima alega que ele foi alvo das investigações em virtude de sua atividade como ativista, e que não restará dúvida sobre sua conduta ética e moral.
Reynaldo Bianchi Junior negou categoricamente ter cometido qualquer ato que pudesse ter ensejado o mandado de busca e apreensão.
Os advogados de Sara Winter, de Bernardo Pires Kuster e de Otavio Oscar Fakhoury responderam que ainda aguardam acesso ao inquérito – que está em sigilo – para poderem se manifestar.
Allan dos Santos afirmou que tem sido vítima de uma campanha difamatória, e que não deixará de criticar os ministros da Suprema Corte.
O Planalto não quis comentar e o deputado Eduardo Bolsonaro não retornou nossas tentativas contato.
O Fantástico também não conseguiu falar com os advogados de Enzo Leonardo Suzi Momenti.
Com informações do G1 e do Fantástico da Rede Globo
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